Posted on sábado, outubro 21, 2017 · Leave a Comment
Esse artigo foi publicado pelo site Tracinhas.
Quem já leu meus livros ou conhece meus esboços de
ideias aleatórias que podem ou não se tornar um livro futuramente sabe que eu
escrevo basicamente sobre fantasia. Gosto de fazer isso pelo simples fato de
poder usar a imaginação sem nenhum tipo de limitação, posso transformar a
história no que eu quiser e fazer um dragão gigante aparecer para queimar uma
cidade e isso vai fazer sentido porque é fantasia.
Apesar de poder usar a imaginação livremente, não é
como se eu pudesse simplesmente fazer isso. Você aí pode me
perguntar: “Mas como assim? Você não escreve sobre
magia? Lá tudo pode acontecer!”. Aí é exatamente onde você se engana. Tudo pode
acontecer, tudo bem, superamos isso. Mas não posso fazer com que tudo simplesmente aconteça.
Quer saber o motivo? Brandon Sanderson explicar
para você de uma maneira muito simples e óbvia: a magia precisa ter regras.
Posso até ouvir alguém dizendo: “Eu não vou criar regras, é a minha
magia e eu faço o que eu quiser”. Bom, as coisas não são assim tão fáceis, não
é? O seu mago na história vai ter fonte de poder ilimitada e fazer com que tudo
se resolva assim que o problema aparecer? Espera aí, o seu mago tem
uma fonte de magia? Mas se ele pode resolver tudo com ela, qual será exatamente
o problema da sua história? Por que as suas personagens sofrem se a magia pode
resolver todos os problemas deles e acabar com a fome no mundo? Admita, você
precisa de limitações para criar um bom enredo. Caso contrário, a sua história
não vai ser sobre personagens interessantes ou um conflito intenso, mas sim
sobre como a magia resolve todos os problemas de todo mundo sem ninguém se
esforçar muito para isso.
Brandon Sanderson sabia disso e como ele é simplesmente
incrível, criou o que conhecemos como “As Três Leis de Sanderson Sobre Magia”. Quer
conhecer? Então vamos lá!
Primeira Lei de Sanderson:
"A habilidade do autor resolver um conflito com mágica é DIRETAMENTE
PROPORCIONAL a quão bem o leitor compreende tal mágica".
O que o mestre sobre o assunto
quer dizer com isso? É muito simples: o escritor precisa conhecer a magia que criou para adequá-la a história de
forma coerente e não adequar a história à magia. Em seu texto original,
Sanderson cita o exemplo de O Senhor dos Anéis e a forma como Gandalf é um mago
poderoso, mas ao mesmo tempo não fica resolvendo os problemas da Terra Média
com a sua mágica. Não porque ele não se importa – Gandalf foi até Mordor lutar
para proteger Frodo e Sam para que os dois conseguissem destruir o Um Anel, por favor –, mas sim porque a sua magia
não é ilimitada e tem restrições. Se não fosse assim, o próprio Gandalf poderia
simplesmente fazer um feitiço e destruir o Um Anel, acabando com os problemas
de todo mundo.
Mas como fazer isso? Eu diria que essa é a parte mais difícil. É claro
que como escritor, você pode usar muito a sua imaginação sem precisar fazer uma
série de pesquisas, desde que sua ideia seja muito bem planejada e não precise
realmente disso. Você pode criar uma nova Terra Média tão fantástica quanto a
de Tolkien, como criar um universo futurístico distópico ou utópico. Por
experiência própria, acredite em mim quando eu digo que é muito importante que, independente do gênero que você decida
escrever, se você for escrever sobre magia, você precisa de regras.
Sanderson classifica a magia em
três modalidades: soft magic, hard magic
e o que ele chama em seu texto de “meio do caminho”. Achei isso muito
interessante porque você não precisa necessariamente ter uma série de regras e
explicações, desde que tenha isso muito claro em sua mente.
Soft magic é,
basicamente, a magia de Tolkien. Ninguém sabe realmente como ela funciona ou
como acontece, de onde vem e o que exatamente ela faz. Ela existe, está ali e é
isso que sabemos sobre ela. Sobre soft
magica, Sanderson diz basicamente o seguinte:
“Entretanto, existe algo que você deve
entender sobre escrever deste lado do espectro. Os autores realmente bons de
‘Soft Magic’ raramente usam a magia para resolver problemas em seus livros. A
magia cria problemas, e então as pessoas resolvem esses problemas sozinhas, sem
muita magia.”
Se você decidir basear a sua
história mágica em soft magic, você
deve saber que não precisa explicar a magia para os leitores. Os leitores não
precisam saber como ela funciona e o que faz nesse tipo de modalidade, mas
Sanderson alerta que você não pode usar isso como uma grande muleta para a sua
história funcionar. Como exemplo disso, Sanderson citou George Martin e a forma
como a magia criou um baita problema em Westeros e agora todo mundo tem que
resolver isso sem usá-la. Sabemos que a magia causou tudo isso, mas não sabemos
o que a magia faz. Ou você entendeu como os Caminhantes Brancos surgiram e o
motivo de ninguém questionar realmente o tamanho dos lobos que os Stark
encontraram? Pois é, exatamente isso que quero dizer. Ficamos maravilhados e
instigados e essa é uma das consequências da soft magic.
Já a hard magic é
completamente diferente. Se você basear a sua história em hard magic, então você deve criar regras para ela e explicá-las ao
leitor. Aqui eu faço um adendo muito importante: você não precisa criar um
capítulo introdutório só para fazer a sua personagem tagarelar sobre como a
mágica funciona. Na minha opinião, isso geralmente se torna chato e forçado na narrativa,
como se você estivesse querendo fazer o leitor entender imediatamente a sua
magia. Não é assim que as coisas
funcionam. Todo livro é diferente do outro e seus sistemas de magia também, de
forma que o leito precisa se adaptar aos poucos com as novas regras e
transições que existem de uma história para a outra. Fazer a sua personagem
tagarelar sobre isso não vai acelerar as coisas. É preciso ter paciência aqui e
desenvolver as suas explicações conforme você vai escrevendo.
Sanderson diz que nesse tipo de
magia – a hard magic, não esqueça –
as suas personagens podem usar a magia para resolver problemas. Isso é porque a
sua magia está sendo explicada e o leito compreende as suas vantagens e
limitações, de forma que na verdade foi a inteligência da personagem e sua
estratégica que resolve o problema e não a magia propriamente dita. Eu disse
acima para você não despejar informações no leitor sobre como sua magia
funciona, mas também não deixe para explicá-la somente quando acontece alguma
coisa e subitamente a sua personagem desenvolve um poder novo para salvar o
mundo. Para exemplificar isso, o Harry Potter treina os seus feitiços antes de
sair usando-os por aí. Em O Prisioneiro de Azkaban ele sofre o ataque dos
Dementadores no trem e depois disso, o Lupin ensina a ele como usar o Patrono
para se proteger. O leitor já conhece essa magia e quando acontece uma situação
onde o Harry precisa desesperadamente do Patrono, ele já sabe como usá-lo e nós
também, de forma que não é algo que surge de repente para salvá-lo da morte.
Sanderson
diz o seguinte:
“Se o leitor entende como a magia funciona,
então você pode usar a mágica (ou melhor, os personagens usando a mágica) para
resolver problemas. Nesse caso, não é a mágica misticamente fazendo tudo ser
melhor. Ao invés disso, são a inteligência e experiência dos personagens que
resolvem os problemas. A magia se torna outra ferramenta – e, como qualquer
outra ferramenta, é o uso cuidadosa que pode melhorar os personagens e a
trama.”
O que Sanderson chama de meio do caminho é basicamente algo
entre a soft e a hard magic. O próprio
Sanderson classifica que seus livros estão nesse meio termo. Nesse sistema,
você cria regras e as explica para o leitor, suas personagens compreendem a
magia e utilizam-na para resolver algumas questões. Porém, você não explica o
plano inteiro – você não diz determinadas coisas como quando essa magia surgiu no seu universo e por quê suas personagens podem utilizá-la.
Harry Potter é interessante
porque podemos utilizar esse universo para citar vários exemplos de soft e hard magic, por isso ele está no meio do caminho. JK não explica como a magia surgiu no mundo e
porquê alguns são bruxos e outros não. A magia existe e algumas pessoas podem
usá-las e outras não, simples assim. No entanto, você compreende que os bruxos
precisam de uma varinha – e que é a varinha que os escolhe. Como isso acontece é um mistério, embora
nós tenhamos uma boa explicação do que se pode ou não fazer com a magia e como
os feitiços funcionam.
Em meus livros, acredito estar
classifica bem aqui. O universo de Anastácia é mágico e cheio de problemas por
causa dessa magia. Eu não me preocupo em explicar ao leitor como, quando e por
quê essa magia surgiu, mas ela está ali e criou o maior problema na Província
de Órion. Em contrapartida, Aeron não pode usar os seus poderes para fazer
qualquer coisa – sua magia tem uma fonte e ele tem várias limitações, apesar de
eu explicar um pouco como ele pode usá-la e o que basicamente pode ou não
fazer. É essa mesma lógica que utilizo em A Princesa do Ar, explicando para o
leitor o que Alescia pode fazer, embora não conte a história de como a magia
surgiu no mundo deles.
Segunda Lei de Sanderson:
"Limitações > Poderes"
O que eu repeti diversas vezes
ali em cima faz sentido agora, não é? A Segunda Lei de Sanderson é exatamente
isso: as limitações devem ser maiores do que os poderes da sua magia.
Não entendeu? Deixa eu explicar.
Vamos voltar ao exemplo do nosso
amado Gandalf: ele é um mago, sabemos que ele é poderoso, mas não sabemos como
sua magia funciona. Ele vai até o Condado vez ou outra e estoura fogos de
artifício e deixa todos os hobbits
muito animados com isso. Mas, claro, não é só isso que nosso Gandalf faz. Embora
não façamos ideia de toda a magnitude do poder de Gandalf, nós temos muita
consciência do que ele não pode
fazer. Ele não pode usar seu cajado e detruir o Um Anel, não pode
teletransportar Frodo diretamente para Mordor e também não pode sair voando por
aí quando dá na telha (exceto quando ele convenientemente pede ajuda para as
águias gigantes).
Ainda não entendeu? Explico de
novo.
Por acaso o Harry pode
ressuscitar o Dumbledore ou o Sirius? Ou seus pais? Ou o Lupin e a Tonks? Essa
é uma das coisas que a JK deixa muito claro desde o primeiro livro e quando a
pedra de ressurreição aparece, também fica evidente que ela não traz as pessoas
de volta dos mortos do jeito que você quer que voltem.
Você precisa de limitações
maiores que os poderes das suas personagens para justamente a sua história não
se tornar uma história só sobre a
magia. Se os poderes forem maiores que as limitações, qual o propósito do seu
conflito? Qual será o seu enredo? Se fosse assim, a magia poderia resolver tudo
já no primeiro capítulo e você não precisaria se dar ao trabalho de pensar em
toda uma história e situações.
É preciso ter em mente o que eu
disse lá em cima: é a magia que precisa se adequar a história e não a história
que deve se adequar a ela. A magia deve ser uma coisa a ser utilizada ou um
plano de fundo, nunca uma personagem da história.
Terceira Lei de Sanderson:
"Expanda o que você já possui antes de criar algo novo."
Você precisa entender também que
não precisa criar cinquenta regras para a sua magia e jogar tudo dentro do
livro e esperar para ver o que acontece. JK pesquisou sobre alquimia para Harry
Potter e não usou todo o seu estudo nos livros porque não achou necessário.
O primeiro passo para a sua
história de magia é criar o seu universo. Isso vai acontecer no nosso mundo ou
em outro? Nessa época, no passado ou no futuro? Você vai especificar isso em
seu livro? Quando escrevi Anastácia eu não disse se a história se passa no
nosso mundo ou em outro, mas você tem a opção de fazer isso ou não. Você deve
trabalhar em seu universo e na sua magia antes de adicionar toda e qualquer
ideia que anda tendo enquanto escreve. Quando algo novo surge no meio de um
capítulo sem ter sido trabalhado antes, dá a impressão que o escritor teve
aquela ideia bem naquela hora e enfiou tudo na narrativa do nada.
Você vai dizer: “Mas eu sou o
escritor e sou eu que decido isso!”. Tudo bem, meu amigo, concordo com você.
Quando estamos escrevendo, temos uma enxurrada de ideias e vamos adicionando
tudo conforme elas vão aparecendo e no final o livro pode se transformar em uma
coisa ótimo ou em uma história Frankenstein. Mas é justamente para isso que existem as revisões, não é? Um bom beta reader também vai lhe dizer o que
exatamente sentiu quando leu o seu livro e não somente te rasgar de elogios e
você vai poder trabalhar nessas coisas depois que tiver escrito todas as suas
ideias e transformado a sua imaginação em um livro.
O importante dessa regra é não
ficar parecendo que a todo momento surge algo novo e inexplicável. É
interessante você trabalhar sutilmente em sua narrativa vários aspectos do seu
universo e da sua magia, de forma que quando algo novo aparecer na história,
não vai parecer algo surreal e fora de contexto.
Lembra o que eu falei sobre não
jogar informações em cima do leitor para forçá-lo a entender a sua história?
Pois é. Essa lei não se trata exatamente disso, na verdade diz que você deve explicar as coisas. Lembra como
Hagrid encontrou Harry? Ele foi despejando informações sobre o mundo bruxo em
cima do Harry de onze anos para que o leitor compreendesse imediatamente o que
estava acontecendo? É claro que não. É muito mais divertido você criar um clima
de mistério ao redor disso, mas não a ponto de tudo que acontece ser uma
novidade surgida do nada na sua história. Faça isso, mas faça isso com calma e
paciência, não precisa se afobar e explicar tudo sobre o seu universo e magia
no primeiro capítulo.
Essas são as três Leis de Sanderson
sobre magia. Acreditem em mim quando digo que elas ajudam muito quando você vai escrever uma história sobre magia. Se você
quiser ler a integralidade dos textos do Sanderson, você pode acessar o site dele e se divertir com
um artigo que o Affonso Solano publicou sobre o assunto no Omelete.
Nota: Quem é Brandon Sanderson?
Ele nasceu em 1975, é escritor (e
dos bons) e professor de escrita criativa. Ele escreveu a trilogia Mistborn que
recentemente teve o seu último livro publicado pela editora Leya. Ele também
escreveu Elantris (minha primeira descoberta sobre ele) e o livro também foi
publicado pela Leya. Além desses livros, Sanderson tem inúmeros outros projetos
que não foram publicados no Brasil, além do livro Coração de Aço que foi
publicado em 2016, publicado pela editora Aleph. Se você não conhece esse cara,
sugiro que vá correndo ler algum livro dele!
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