Capítulo 2, Ametista ♥

• Ametista - Livro I
Isso não é mais um clichê sobre a morte. Isso não baseia-se na salvação de alguém. Isso lida com a dura e crua realidade do irreversível. Grite. Lute. Chore e desista. Mas você continuará morto. Sempre. Morto.

• Opala - Livro II
A vida, o bem. Isso é mais do que alguém pode desejar. Muito mais. Vai além de qualquer coisa. Além do fim. Mas é poderoso. E pode destruir. Corroer. Matar

• Ágata - Livro III
O bem e o mal. Os dois extremos. Os dois opostos. Amor e ódio. O equílibrio. Isso é tudo. Tudo o que é necessário, tudo que se precisa para viver. Para amar. E odiar.

2.
Ante-sala do Inferno

Dois anos depois

• Celina Selistre

Tudo ao meu redor queimava. O cheiro era de enxofre e irritava minhas narinas. Bom para mim que já estava acostumada. Péssimo para o cara que acabara de ser capturado e não fazia ideia de onde estava.
Na verdade, ele estava desmaiado e provavelmente não sabia sequer seu nome. Ou o meu. Ou o do meu chefe.
De qualquer modo, não importa. É procurar, capturar e matar. É o ciclo, é a lei. A regra a ser seguida. Simples e fácil. Nunca pensei em quebrá-la. Nunca sequer passou pela minha cabeça a remota possibilidade de isso acontecer.
Não até hoje. Mas eu não sabia disso naquele momento.
Um homem grande e com chifres se aproximou de mim. As argolas anexadas ao seu nariz balançavam a medida que ele respirava com força. Seus olhos eram amarelos e pareciam arder junto com as chamas ao nosso redor. Seu cabelo crespo e escuro pingava suor, mesmo estando sem camisa.
- Ametista! – ele gritou e me agarrou pelo pescoço, prensando-me contra a parede escaldante, me deixando sem ar.
Ninguém fez menção de me ajudar. Se isso tivesse acontecido, alguém teria morrido. Ninguém nunca ajudava ninguém por aqui e todos sabiam muito bem o motivo.
- Me solte – cuspi as palavras com grande dificuldade. – Seu idiota!
Eu tinha esse problema, era quase uma reação instintiva, da minha própria natureza, xingar e falar todo o tipo de coisas maldosas que me viessem na cabeça. Eu também gostava de situações como essa, embora não adorasse quando a vítima era eu.
Mas, de qualquer modo, eu ia ensinar uma coisa para esses babacas de chifres cortados e rabos pontudos.
Takac apenas apertou ainda mais seus dedos contra o meu pescoço. Senti suas unhas compridas e sujas perfurarem lentamente a minha pele.
- Você não pode trazer esse tipo de gente para cá! – ele gritou, seus olhos encaravam-me com fúria descontrolada. Ouvi os passos dos outros demônios indo embora. – Tem ideia do que fez, Ametista?
Minha garganta queimava exatamente como minhas costas. Eu precisava de ar. Urgentemente. Mesmo que esse ar fosse carregado de enxofre. Não importava. Eu precisava respirar.
- Não sei do que está falando, Takac – disse com dificuldade, tentando não soar tão fraca quanto eu me sentia. Minhas mãos apertaram o braço dele, mas Takac pareceu nem sentir. Estúpido couro. – Me solte!
- Solte-a! – uma voz conhecida gritou, fazendo a parede atrás de mim tremer.
Relutantemente, Takac obedeceu. O ar venenoso penetrou em meus pulmões e tossi algumas vezes antes de conseguir respirar normalmente. Estava de joelhos no chão, mas logo me levantei. Eu não era fraca. De modo algum. Agüentava agressões piores do que essa o tempo inteiro e nada me fazia permanecer no chão.
No Inferno, as ordens não eram exatamente bem vindas, porém fazíamos o possível para acatá-las sem muita confusão. Não que estivéssemos exatamente no Inferno. Não estávamos. Era mais para uma ante-sala macabra que recebia e revistava todo o tipo de prisioneiro e Capturador. Eu nunca fui ao Inferno realmente e, para ser sincera, espero nunca precisar ir até lá.
Cross encarou Takac em todo o seu esplendor glorioso. Ele tinha quase dois metros e meio de altura e tinha todo o corpo de um humano. Era uma espécie de carcaça, uma fantasia. O cabelo era curto e agressivamente escuro em contraste com sua pele pálida demais para quem vive perto do fogo. Ele era o maior guerreiro que o Inferno (e a ante-sala macabra do inferno, o Abismo) já vira.
Ele também era o braço direito daquele que me deixou do jeito que sou, fazendo as coisas que faço. O Anjo da Morte ou somente Morte.
Eu o chamo de Lucius.
- O que você pensa que está fazendo? – Cross rosnou para Takac, fazendo menção de pegar sua espada flamejante.
Takac vacilou com aquele gesto. Takac era o tipo de demônio que tinha muita coragem, mas com Cross, todos tremiam, por mais volumosa que fosse sua valentia. Ninguém o vencia. Ele era o melhor.
Cross estreitou ainda mais os olhos dourados para o demônio que me agredira e então lançou um olhar a mim e ao homem encolhido no chão, de costas para nós. Meu prisioneiro. Foi difícil capturá-lo e me orgulho de ter conseguido. Sou uma Capturadora e protejo a Morte. Não posso evitar o orgulho que esbanja dentro de mim. Sou a fonte dele.
- Vá embora, demônio – Cross esbravejou para Takac, fazendo o mesmo sair dali com passadas longas e pesadas, me lançando um olhar maligno por cima do ombro como quem promete uma revanche.
Devolvi o olhar na mesma intensidade. Eu também tinha coragem, não apenas Takac. E eu sabia lutar. Fui ensinada pelo melhor de todos. O que parece humano por fora, mas é um demônio absurdamente feio por dentro. Com chifres, pele escamosa e dentes afiados. A única cosia que permanecia intacta era a mente naturalmente maligna.
Isso todos os demônios tinham em comum. Em comum comigo, embora eu lembrasse de como era me sentir bem, amada e protegida. Mas eu sabia que aquilo fazia parte de um passado longínquo demais para recuperar. Uma outra vida.
Não agradeci à Cross. Aqui ninguém diz obrigado ou por favor. Aqui ninguém pede licença. Eles esbarram uns nos outros e batem até você ser arrancada da frente deles. Cross apenas interveio porque sou sua protegida. É como se ele estivesse encarregado (por Lucius, suspeito) para que nada me matasse. Não que eu não me machucasse. Apenas que não morresse.
Cutuquei o corpo do homem desacordado com a ponta da minha bota de couro preta.
- Quem é ele? – Cross perguntou, chegando mais perto, deixando evidente o seu tamanho perto de mim.
Mesmo com uma bota de salto de dez centímetros, eu ainda nem sequer batia nos ombros dele. Ele me esmagaria numa luta sem qualquer dificuldade.
- Não faço ideia – dei de ombros, ignorando a dor nas costas e a garganta queimando. Por aqui aprende a se priorizar a sobrevivência e ignorar qualquer tipo de dor. – Acho que seu nome é Salim ou qualquer coisa parecida.
Cross se agachou e encarou o homem que respirava fracamente. Ele usava jeans azul e uma capa branca quando o encontrei. Agora estava tudo um emaranhado de sangue e sujeira. Seu rosto estava arranhado na bochecha direita de quando eu pressionei seu rosto contra o asfalto. Ele tentou lutar, tentou fugir. Ele era bom, não posso negar isso. Mas eu era melhor. Eu fui treinada para ser a melhor. Nunca perdi. E essa vez não seria diferente.
Eu estava prestes a mudar essa filosofia e nem percebi.
Cross soltou um palavrão baixinho e me encarou, furioso.
- Você cometeu um erro, Ametista – ele rosnou. – Não viu o colar?
Encarei-o com verdadeiro espanto. Ele não podia ousar falar desse jeito comigo. Eu tinha dado duro para conseguir capturar esse cara e era assim que me retribuíam? Dizendo que eu estava errada? Isso era inconcebível.
- Do que você está falando? – gritei, as mãos na cintura. – O que o colar tem a ver com isso?
- Você não pode trazer o semeador do bem aqui para baixo, idiota – Cross rosnou. – Tem ideia do que pode acontecer com ele aqui?
Antes que eu pudesse responder, meus ouvidos foram mais rápido do que meus lábios. Ouvi a risada vitoriosa antes mesmo de pensar em algum argumento para rebater Cross. O homem que eu achara estar desmaiado, agora estava rindo.
A raiva brotou dentro de mim com uma pontada de entendimento.
Não tive muito tempo para reagir sobre minha súbita epifania. Salim estava de pé, mais forte do que aparentava e sorria sarcasticamente para mim. Odiei aquilo. Ninguém debochava de mim. Muito menos ele.
Cross não pensou duas vezes. Atacou. Sua vida era aquilo desde os primórdios. Analisar, correr, atacar. Era automática, quase robótico. Meus instintos eram um pouco mais lentos, mas reagiram imediatamente quando, para minha completa surpresa, Salim conseguiu defender o golpe de Cross.
Eu nunca tinha visto aquilo. Nem em meus treinamentos eu conseguia fazer isso – repelir Cross –, apenas quando ele me permitia isso. Um homem como Salim certamente não era melhor que eu. Melhor que Cross.
Investi contra Salim e o peguei de surpresa, derrubando-o de encontro ao chão. Fiz a mesma coisa que havia feito com ele antes, mas estava preparada para suas reações mais enérgicas dessa vez.
Foi quando algo realmente estranho aconteceu. A ametista ao redor do meu pulso esquerdo começou a queimar a minha pele e eu sabia que o que eu estava fazendo era errado. Apenas sabia. Mas eu agia por instinto agora, não pela razão. E foi por isso que tirei vantagem do que acabei descobrindo em seguida.
Estávamos perto do portal do Inferno, onde as almas queimavam e pagavam eternamente por seus erros enquanto os demônios riam e as maltratavam repetidamente. Estávamos perto demais de todo o mal que eu espalhava. Que eu guardava dentro de mim, do meu corpo. As tatuagens nas minhas mãos formigaram e senti um poder que jamais havia sentido antes. Era como se aquilo que eu aprisionava estivesse querendo me dominar, participar também, sair.
- Gosta disso, Protetor? – sussurrei ardilosamente em seu ouvido.
Salim ofegou, fraco demais para reagir. Eu ri e bati forte o suficiente em sua cabeça para ele perder a consciência. Então me levantei, escondendo de um Cross pasmado tudo o que eu acabara de descobrir e sentir. Era egoísta demais para dividir a informação.
Salim ficava enfraquecido perto do Inferno, até mesmo na ante-sala dele. Fraco o suficiente para o temor dos de Takac e Cross não passar de preocupação em excesso.
Salim ficava enfraquecido perto do mal exatamente como eu ficava enfraquecida perto do bem. Foi por isso que foi tão difícil lutar com ele antes. Ele me enfraquecia e eu o enfraquecia. Ele tinha um colar. Uma opala laranja brilhante em volta do seu pescoço, como eu tinha uma ametista ao redor do meu pulso esquerdo.
Eram amuletos. Ambas as coisas eram proteções contra o que tínhamos preso dentro de nós.
Salim era como eu. Exatamente como eu. Mas o que ele tinha dentro de si era o oposto do que eu tinha dentro de mim. Salim era tudo o que eu queria ser, tudo o que eu não podia ser.
E eu o odiava imensamente por isso.

Comments
5 Responses to “Capítulo 2, Ametista ♥”
  1. Dαyαnє says:

    Nossa, gostei muito. *-* Ficou ótimo, sério :)

    É uma temática diferente da que eu estou acostumada mesmo lendo muitos livros sobrenaturais ultimamente, normalmente as mocinhas são do lado bom, filhas de anjo, ou algo...Gostei da mudança.

    Gostei também da personalidade da Ametista; acho que estou meio que cansada de mocinhas que precisam ser salvas a toda a hora.

    Quero ler o restante, mas vou ter que esperar você lançar, certo? =]

    ~> Beijusss...;*

  2. Unknown says:

    Garota eu sou sua fã. Eu também escrevo e adoro o mundo dos romances.

  3. Vivi says:

    own preciso ler mais como posso ler o 3 capitulo online?

  4. Unknown says:

    Oi Vitoria!
    Ametista é escrito por mim, porém ainda não finalizei a escrita do livro e também não disponibilizei mais capítulos online por conta da instabilidade da história, ou seja: eu não faço ideia se as coisas vão permanecer da forma como eu idealizei a princípio. Então, para não decepcionar ninguém, não alterei nada do que já escrevi e postei aqui no blog, mas dali em diante mudei uma coisa ou outra, já reescrevi certas coisas e ainda não terminei o livro, infelizmente.

    Fico feliz que tenha gostado do que leu!
    Abraços!

    Amanda Steilein

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