I, Ametista - Capítulo 1

I, Ametista

“Me desgrace, me odeie, só nunca esqueça que eu amei você. Me difame, me odeie, só nunca esqueça que eu amei você.”
Me Odeie – Reação em Cadeia

Prólogo

Eu sou o ódio, ele, o amor. Ele é a promessa de um futuro, enquanto eu sou a promessa de que este não existirá. Ele é bom, eu, má. Ele é o sussurro da esperança, eu sou o grito da maldade. Sou o horror e o desespero, ele é a generosidade e pureza. Sou o veneno que entorpece as almas e degrada o caráter, ele é o antídoto que purifica a vida. Sou a cobra peçonhenta que lhe ataca sem pudor, ele é o homem que lhe salva. Sou a brisa que te empurra do penhasco, ele é a mão que te segura. Ele concede perdão, eu concedo remorso. Eu destruo o mundo enquanto ele o reconstrói.
Eu o odeio, ele me ama.

1. O precipício da vida

• Celina Selistre

Tudo começou com um grito. Dor, um erro e um grito. Era fácil lembrar quando eu tinha provas físicas de que aquela noite realmente aconteceu. Fazia tanto tempo e, para mim, era como se tivesse acabado de acontecer.
- Celina!
- Pai!
Minha respiração era vacilante e eu não sabia o que estava acontecendo. Não. Eu sabia, só não queria acreditar.
A mão de meu pai estava estendida e eu sabia que precisava pegá-la. Meus pés balançavam no vazio misterioso e obscuro abaixo deles. A única coisa que me mantinha firme era o pedaço de terra no qual eu conseguira me agarrar antes de escorregar e cair do penhasco.
A pedra. A maldita ametista, o maldito cordão brilhante. Se eu não tivesse sido tentada a apanhá-la, nada disso teria acontecido.
- Segure, Celina!
Eu via o desespero nos olhos azuis do meu pai, sabia exatamente o que tinha de fazer, mas meu corpo não obedecia aos meus pensamentos.
Segurar. Viver. Era simples.
Ametista. Minha Ametista.
A voz que vinha do fundo do abismo escuro era real demais para ser ignorada. Era alta o suficiente para o mundo inteiro ouvi-la, mas meu pai estava desesperado e algo me disse que ele não ouvia a voz como eu o fazia.
Minha, minha Ametista.
A voz tinha uma presença física ao meu redor. Era como se ela me puxasse para si.
- Celina! – meu pai gritou, a voz escorrendo desespero e agonia. – Agarre a minha mão! Não desista!
- Eu... – sussurrei, tentando formular palavras sem encontrar nenhuma.
Os meus olhos desceram para o fundo do abismo onde, ao longe, tão distante que mal podia ser visto, uma pequena ametista brilhava.
Encontrei os olhos do meu pai mais uma vez. Vi lágrimas escorrendo pelo seu rosto e, por um instante, pensei que ele era a coisa que mais importava para mim no mundo.
E então ouvi aquela voz novamente.
Minha Ametista.
Minhas pernas arranhavam quando meu corpo batia contra o rochedo. Eu sentia meus órgãos sangrando, sentia dores terríveis de fraturas que nunca seriam curadas. Sentia minha mão escorregando a cada respiração que eu dava.
E a mão de meu pai, tão distante e tão inalcançável. Por que eu não conseguia agarrar?
Minha pequena e doce Ametista.
Fechei meus olhos, tentando bloquear o som.
- Celina – meu pai suplicou. – Por favor, não solte.
Uma lágrima escapou dos meus olhos.
- Me desculpe, pai.
Foi quando não tive mais forças para segurar e, então, soltei, deixando-me cair no vazio, enquanto minha mente era dragada do meu corpo e eu era tomada pela inconsciência enquanto um grito preenchia os meus ouvidos.


Quando abri meus olhos, tudo o que consegui ver foi escuridão. Não. Isso não é verdade. Podia ver, mesmo que fosse de longe, aquele brilho da pedra que tanto me fascinara.
O que tinha acontecido mesmo?
- Pegue – uma voz sussurrou quente e convidativa no meu ouvido. Um arrepio passou pelo meu corpo quando o homem tocou de leve no meu cabelo preto cacheado. – Abra o portal, Ametista.
Tudo o que eu conseguia pensar era que eu precisava pegar aquela ametista, tomá-la para mim, fazê-la minha. Não sabia o motivo, apenas a queria totalmente para mim.
Obedeci ao homem atrás de mim como uma criança pequena obedece a seu pai. Andei lentamente até o brilho e me ajoelhei perante o cordão com uma pedra ametista ornamentando-o. O brilho era vítreo, fascinante, encantador aos olhos inexperientes de uma garota gananciosa de dezessete anos.
Minha ganância me dominou naquele momento, sobrepujando a razão e instinto. Em algum lugar dentro de mim, raciocinava que aquilo era impossível por algum motivo, mas, em outra parte de mim que falava mais alto, me incitava a seguir em frente, pegar o cordão, tocar na pedra.
Bastou um toque para toda a minha ilusão desmoronar. Agora, tudo era claro, tudo se destacava com a evidência que deveria ter tido antes.
Meu pai, a dor, o grito, minha morte.
Tentei largar o colar, mas era tarde demais. Minhas mãos não me obedeciam mais uma vez. Prendi o colar ao redor do meu pescoço contra a minha vontade e senti a pele repuxando como uma grande queimadura. Era o lacre, algo me disse, algo no qual eu não quis acreditar.
- Minha.
Eu podia vê-lo em todo o seu esplendor macabro. Defronte para mim, estava o homem mais belo que eu já vira. Corpo musculoso, rosto encantador, cabelos lisos e compridos que chegavam ao meio de suas costas, um dourado brilhante que prendia minha atenção. Ele usava apenas uma calça preta e estava descalço.
O homem sorria para mim e estendeu suas mãos na minha direção.
- Venha para mim, Ametista – ele sussurrou, a voz grave e rouca, convidativa demais para uma garota. – Segure minhas mãos.
Eu não deveria, eu sabia disso. Mas algo naquele olhar azul me fez lembrar o pedido do meu pai e a minha recusa não dita, a minha incapacidade de obedecer.
Andei até o homem e segurei suas mãos exatamente como ele disse para fazer.
Foi mais um erro.
Minhas mãos começaram a formigar e, aos poucos, esse formigamento evoluiu para uma queimação que me fez querer soltar as mãos dele, mas ele não deixou. O sorriso não largou o seu rosto e seu olhar não desviou do meu em nenhum momento.
- O que você está fazendo? – gritei em desespero.
Ele não se abalou. Continuou me olhando como quem olha uma flor rara e pensa em como conseguiu encontrá-la sozinho.
- Marcando você, minha querida.
O horror daquilo me atingiu como um raio atinge uma árvore. O choque foi tremendo e por muito tempo não consegui reagir. Mas, quando voltei a mim, já era tarde. Tarde demais, mais uma vez.
Ele soltara minhas mãos e a força me deixou. Meus joelhos cederam e caí sobre eles, ofegando como se tivesse acabado de correr uma maratona. Olhei para minhas mãos ainda sentindo como se pegassem fogo.
Havia uma tatuagem em cada uma das minhas mãos. Na esquerda havia um sol tatuado de maneira tribal, na direita, entretanto, estava a lua. Os dois extremos, impossíveis juntos.
Minha mente girava e eu senti o desespero crescendo dentro de mim como uma doença contagiosa, pegando cada grama de esperança, cada mísero pedaço de bondade, cada pequena réstia de amor e pisando, massacrando, destruindo até virar pó, até eu não ser capaz de sentir mais nada exceto a dor.
Lágrimas escorriam pelo meu rosto e pela primeira vez não me importei de mostrar o que eu sentia.
O homem se ajoelhou na minha frente e tocou meu rosto com uma das suas mãos. O toque fez minha bochecha arder e, estranhamente, senti como se ele fosse uma parte de mim que eu tivesse acabado de achar.
Ele ergueu meu rosto para que eu pudesse encará-lo, seus olhos azuis penetrantes pareciam vasculhar minha mente e, ao mesmo tempo, sua expressão parecia quase satisfeita, inebriada, serena.
- Minha Ametista – ele sussurrou. – Você jura proteger a mim, Anjo da Morte, Lucius, dos humanos?
E, ao mesmo tempo que sabia que devia dizer não, eu queria mais que tudo dizer sim.
- Eu juro – me ouvi dizendo, a voz tão rouca que nem reconheci como minha.
O homem sorriu e suspirou como se esperasse aquela resposta, mas, ainda assim, estivesse fascinado com ela. Gostei daquilo. De causar aquela sensação em alguém.
- Ametista – sussurrou ele enquanto se aproximava mais de mim. Pude sentir o seu cheiro, algo que não consegui identificar, mas que me intoxicava até os ossos. O rosto de Lucius estava a centímetros do meu agora. – Minha Ametista.
Quando seus lábios encostaram-se aos meus, a sensação foi assustadora. Por um momento, parecia que tudo o que eu mais temia estava acontecendo. Então a fumaça. O clarão. Os gritos, os lamentos, os choros. Eu queria fugir de tudo, dos braços de Lucius, daquele lugar.
- Você não pode fugir – Lucius sussurrou. – Não mais. Você jurou me proteger. Eu sou a Morte, Ametista. Você protege à mim. O mal está selado dentro de você agora. . Vá e aceite sua natureza, ela é tão bela quanto você.
De algum modo, eu não me sentia assim. Estava apavorada, sim, mas meus instintos eram outros. Meu coração pesava, meu cérebro era um turbilhão de pensamentos, reagindo rápido a qualquer coisa, sendo muito ágil em depravar qualquer coisa.
Eu posso ser tudo o que eu quiser. Ter tudo o que desejar. Ser quem eu quiser ser. Sou a Protetora da Morte. Você não pode me amar e eu não posso amar ninguém. É a minha maldição, o meu castigo.
E eu o aceito.

Comments
4 Responses to “I, Ametista - Capítulo 1”
  1. Anônimo says:

    Woooooow!!! Quando vamos ter isso aqui postado?? Sério, gostei disso aqui...

  2. Unknown says:

    Obrigada *-* Pretendo postar logo, mas preciso fazer uns ajustezinhos nos primeiros capítulos :)

    bjs.

  3. IOEIOEIOEIOEIOIOEEOI ' Adoreei o prólogo e o capítulo! Curiosa aqui! u.ú
    Espero, assim como a Julis, as postagens! =O

  4. Nossa fabuloso!Você acaba de conquistar uma nova fã!

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